© Lalesh Aldarwish (Pexels)
COVID-19, Gestão de Crise, Original Content

Salvos pela solidariedade? | Gestão de Crise #1

Nem tudo resume-se a dinheiro. O confinamento esconde muitos outros vilões: a solidão, a depressão, a violência doméstica, a ansiedade, os abusos físicos e psicológicos. Todos esses fatores servem como adereços à crise sanitária e depende de nós como indivíduos, mais do que nunca, cuidarmos uns dos outros.

© Lalesh Aldarwish (Pexels)
© Lalesh Aldarwish (Pexels)

 

Palmas, muitas palmas coletivas, diaria e pontualmente às 22h. Assim têm se comportado os habitantes de Lisboa desde que Portugal confirmou o primeiro caso de COVID-19 no dia 2 de março de 2020. Iniciativas similares podem ser observadas em diversas partes do mundo, com o genuíno intuito de agradecer e homenagear os profissionais que encontram-se agora na linha de frente do combate ao novo coronavírus: médicos, enfermeiros, farmacêuticos, entregadores, policiais, caixas de supermercados e todos os outros trabalhadores que prestam serviços essenciais à população.


NOTICIÁRIO DO BEM

Em meio às notícias devastadoras de milhares de mortes, inicialmente na China, depois na Itália, Espanha e Estados Unidos, encontramos diariamente nos noticiários exemplos de solidariedade e altruísmo, nos mais diversos níveis. Sejam comentando iniciativas individuais ou coletivas, esse “Noticiário do Bem”, tem o poder de tornar o dia a dia mais leve e inspirar as pessoas em isolamento social.

Por mais paradoxal que possa parecer, o próprio isolamento social é uma forma de sermos coletivamente solidários uma vez que, a despeito do que pregam alguns negacionistas – alguns “governantes” entre eles, comprovadamente é o meio mais eficaz de frearmos a tal curva epidemiológica e evitarmos que os sistemas de saúde sobrecarreguem-se, como vem acontecendo há semanas em quase todo o território italiano e espanhol.

© Matheus Viana (Pexels)
© Matheus Viana (Pexels)

 

Fora isso, atitudes altruístas tornaram-se um oásis em meio à grande pandemia: Proprietários de impressoras 3D provendo com máscaras protetoras um mercado de equipamentos médicos desabastecido; Vizinhos oferecendo-se para fazer as compras de pessoas em grupos de risco; Costureiras usando materiais próprios para criar máscaras caseiras (minha mãe abusou da criatividade nas estampas!); Pessoas ajudando os seus vizinhos a exercitarem-se através de aulas de ginástica em sacadas e janelas; Outros proporcionaram verdadeiras serenatas tocando instrumentos musicais e cantando óperas de suas varandas.

© Matheus Viana (Pexels)
© Matheus Viana (Pexels)

 

Celebridades divulgam agendas de apresentações online (não totalmente alheios à uma possível monetização das plataformas, claro), enquanto outras fazem doações vultosas para “armar” os profissionais da área de saúde e criar infraestruturas que a maioria dos governos demonstrou não estar preparada para disponibilizar aos seus cidadãos.

Na esfera corporativa, algumas empresas também uniram-se em iniciativas coletivas para prover os profissionais de medicina e uma população – muitas vezes em pânico – com materiais médicos e de higienização necessários; Outras decretaram rapidamente o isolamento social de seus colaboradores, ainda que os prejuízos financeiros imediatos fossem inevitáveis; Enquanto uma outra parte fazia doações expressivas para que ONGs e instituições sanitárias pudessem ajudar no combate ao vírus;

© Ready Made (Pexels)
© Ready Made (Pexels)

 

Em um nível governamental, a maioria massiva dos países e seus governantes adotou medidas de contenção (ainda que muitos o tenham feito com um atraso mortal) para salvaguardar as respectivas populações do pior; Países disponibilizaram profissionais para atuarem em outros, mais afetados pela pandemia; E, na medida do possível, tentam compartilhar de forma equilibrada informações confiáveis e materiais cada vez mais escassos como respiradores/ventiladores, máscaras cirúrgicas e testes.


PIRATARIA MODERNA

A despeito dos maus exemplos de alguns empresários, governantes e cidadãos, o que pode-se observar mais frequentemente nas semanas claustrofóbicas que se seguem à pandemia é uma propensão grande à solidariedade, ao altruísmo. Obviamente, a histeria provocada pelo caos que a acompanha também é capaz de tirar do fundo de nossas almas o que pode haver de pior na espécie humana. Infelizmente, também temos visto bastante desumanidade nestes tempos difíceis.

Nos Estados Unidos, uma grande parte da população, preparando-se para um caos  de proporções hollywoodianas, formou filas quilométricas em frente a lojas de armas com a mesma voracidade com que acabavam com estoques inteiros de (pasmem) papel higiênico e alimentos essenciais. Tirando a parte das armas, o mesmo fenômeno também foi notado na Europa e em outras partes do globo em que as pessoas ainda têm o poder de compra necessário para estocar.

Depois de alterar o seu discurso sobre a pandemia (somente após os EUA tornarem-se o novo epicentro da doença), Donald Trump fez valer o seu famoso lema “America First” para interceptar materiais médicos destinados a outros países, como França, Alemanha e Brasil, causando (mais) desconfortos diplomáticos em um momento em que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), deveria haver cooperação e solidariedade entre os países. O episódio, que foi chamado pelo governo alemão de “pirataria moderna”, deixou o consórcio formado por nove estados do Nordeste brasileiro sem cerca de 600 mil respiradores/ventiladores.

 

01 © Nando Motta
© Nando Motta

 

 


O CAMINHO

Por mais bonitos que todos os gestos de solidariedade notificados nos últimos dias possam parecer, estamos longe de colocarmos em prática todo o potencial necessário para sairmos dessa crise. O momento histórico em que vivemos vai exigir uma dedicação sem precedentes da raça humana, a começar pelos governos.

O exemplo norte-americano claramente não pode tornar-se a norma. Com a intermediação de instituições intergovernamentais como a ONU e a já mencionada OMS, os países precisam cooperar uns com os outros a fim de conter o avanço da pandemia. Sendo o problema global mais crítico vivido pela atual geração, a cooperação também deve ser feita de maneira global para que possamos sair da crise com a maior rapidez possível.

A atuação das empresas, por sua vez, também terá uma influência tremenda no que diz respeito a como e quão rapidamente a crise será superada. Talvez já tenha ficado muito claro que os governos demonstram-se cada vez menos capazes de gerenciar sozinhos as incertezas trazidas pela pandemia.

Entretanto, qual será o preço que as grandes corporações estarão dispostas a pagar pela manutenção de vidas? Perseguirão o lucro até a última gota de álcool em gel ou assumirão a responsabilidade que lhes cabe frente ao inimigo invisível? Tudo é uma incógnita…

Porém, existem ações que não dependem do governo ou de empresas. E é através dessas que talvez vejamos a mudança de mentalidade, de fato, se estabelecer. Refiro-me às ações que podemos fazer na esfera individual. E aqui voltamos ao início. Bater palmas nas janelas pode ser algo muito significativo para os companheiros da área de saúde, e, possivelmente, tem um efeito animador, mas certamente manter-se em isolamento social terá um efeito positivo mais imediato em suas vidas do que propriamente homenagens.

© Harrison Haines (Pexels)
© Harrison Haines (Pexels)

Demonstrar preocupação pelas pessoas mais próximas – ainda que virtualmente – tem um efeito psicológico que nos ajuda a encarar o confinamento de uma forma mais positiva, pois sabemos que, ainda que o cenário seja tenebroso, não estamos sozinhos. E, é óbvio que muitas pessoas estão precisando de ajuda nesse momento. O efeito imediato de um problema desse tamanho é o desemprego em massa. Se até algumas semanas atrás isso era uma coisa improvável de acontecer, hoje pode-se ter a certeza quase absoluta de que alguém próximo do nosso círculo social já não tem a mínima perspectiva de receber o próximo salário.

Mas, claro, nem tudo resume-se a dinheiro. O confinamento esconde muitos outros vilões: a solidão, a depressão, a violência doméstica, a ansiedade, os abusos físicos e psicológicos. Todos esses fatores servem como adereços à crise sanitária e depende de nós como indivíduos, mais do que nunca, cuidarmos uns dos outros. Há milhões de anos a cooperação nos permitiu chegar onde chegamos em termos de civilização (para bem e para mal), superando guerras, escravidão, cataclismos, pestes e toda a sorte de infortúnios. Por que agora seria diferente?

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s