“Um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes.” ― Marcus Garvey

Enquanto eu me mantinha distraído com minhas edições de fotos e vídeos em um domingo de céu estrelado e temperatura agradável, recebi de uma grande amiga que está do outro lado do Atlântico (mais precisamente em Lisboa) uma notícia que me pareceu completamente surreal: o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, estava ardendo em chamas!

Guardadas as devidas proporções, até porque não houve relatos de vítimas, foi como acompanhar em 2001, em tempo real, a queda das Torres Gêmeas de Nova Iorque. Meus olhos simplesmente não conseguiam acreditar naquilo!
O Museu Nacional fez parte da minha infância e certamente da infância de milhões de brasileiros. Vinha há semanas adiando uma visita com o meu filho, que só esteve lá uma vez quando ainda era muito pequeno para lembrar. O passeio à Quinta da Boa Vista, ainda que fosse perigoso em determinadas horas do dia (infelizmente, um lugar comum na cidade do Rio de Janeiro), faz parte da tradição de uma boa parte das famílias cariocas.
Chorei! Doeu ver tantas relíquias sendo simplesmente consumidas pelo fogo. E no meio da confusão comecei a teorizar sobre o que poderia ter acontecido. Teria o museu sido mais uma vítima de balões postos no ar por irresponsáveis? – infelizmente, outra prática comum no Rio… Poderia ter sido vandalizado por algum psicopata com facilidade devido à baixíssima segurança disponibilizada no local? Um curto circuito poderia justificar o início do incêndio que teria sido facilitado pela presença de materiais inflamáveis?
Eu não sei se acontece com todo mundo, mas eu costumo avaliar acontecimentos dessa magnitude a partir de perspectivas não muito convencionais. Sabemos que foi uma tragédia anunciada ocasionada por falta de verba e manutenção precária. Os prédios e monumentos históricos do estado do Rio estão sucateados há décadas, ignorados por governantes corruptos e incompetentes.

Mas não é emblemático demais um prédio dessa importância pegar fogo no dia da assinatura da independência do país pela imperatriz Leopoldina? Sim, o grito de independência foi proclamado em São Paulo, por Dom Pedro I, cinco dias depois da assinatura do decreto de independência do Brasil naquele prédio, no dia 2 de setembro de 1822! E tudo o que historiadores e cientistas conseguiram desenvolver em 200 anos de história estava sendo consumido por um incêndio descomunal!
O sentimento no momento é de luto. O que vi pelas imagens das câmeras de TV e internet que registraram a tragédia, me pareceu como se tivessem acendido a pira funerária de um ente querido e tivessem esquecido de me avisar.
O fogo, assim como os outros três elementos básicos de acordo com os registros de culturas milenares, é atemporal e poderoso. O fogo, em várias dessas culturas, é ligado ao sol, considerado o princípio de tudo e ainda hoje é largamente utilizado em ritos de passagem, religiosos e cotidianos.
O fogo queimando a cultura, as relíquias históricas, a herança de um país inteiro, não poderia ser a visão mais emblemática da era em que vivemos atualmente no Brasil e, principalmente, no Rio de Janeiro. Resultado do descaso de governos corruptos (não importa o partido) e de um judiciário que não tem como justificar o próprio aumento salarial enquanto a população pena para sobreviver, a perda do Museu Nacional será simbólica, sem sombra de dúvidas. Só nos resta saber em que direção seguirá esse símbolo.
Símbolo da alma, do espírito e da vida em uma visão espiritualista e esotérica, o fogo sempre será sinônimo de destruição, caso não possa ser controlado. Não é à toa que o seu domínio é considerado um presente dos deuses em diversas sociedades antigas (como no mito de Prometeu). Mas ainda na pior das hipóteses, sempre proporcionará a oportunidade de renovação, de renascimento (vide a Fênix mitológica).
A próxima data “comemorativa” e feriado nacional é o 7 de Setembro, na próxima sexta-feira. Independência… Será que não está na hora de declararmos independência da gente amadora e sem escrúpulos que dirige esse país? A mesma gente que joga a conta da má administração pública nas costas dos mais pobres?
Que deixa pessoas morrerem em hospitais precários com profissionais mal remunerados e exaustos, que já consideram cotidiano ver alguém agonizar enquanto passam tempo na bolha dos grupos de WhatsApp? Que desviam dinheiro da merenda de milhares de crianças que mal tem o que comer em casa? Que deixam sucatear instituições de ensino renomadas internacionalmente? Que mata DIARIAMENTE dezenas de inocentes numa guerra civil não declarada?
São as mesmas pessoas que, se não pecam pela ignorância demonstrada no decorrer da vida política, pecam por pura psicopatia, ao colocar interesses pessoais acima dos interesses da população. Foram essas pessoas que permitiram a destruição de nossa memória nacional. Não foram apenas documentos e objetos fossilizados, o fogo consumiu parte da nossa história!

O fogo que consumiu mosteiros e bibliotecas antiquíssimos é o mesmo que reduziu à cinzas a nossa herança nacional. Uma afronta (há quem veja como castigo divino) a todo o conhecimento acumulado por gerações, um atentado à Ciência, às Artes, às Musas! (Essas cujas estátuas ainda resistem no que restou do museu, como testemunhas silenciosas de uma tragédia burra e evitável). Tudo destruído ano após ano por um descaso descarado daqueles que supostamente deveriam proteger um legado de tamanha importância. A sensação que tenho é que estamos nos destruindo por dentro, sem retorno!
Não, as próximas eleições provavelmente não resolverão todos os problemas do Brasil. Estamos longe disso. As “opções” que temos, como sempre, são as piores. Acreditar nisso é como acreditar que o museu algum dia será recuperado completamente. Otimismo vazio. Mas, assim como para o meu querido Museu Nacional, aos brasileiros não resta escolha a não ser renascer das próprias cinzas. Das cinzas da corrupção, do “jeitinho”, da impunidade, da burocracia, da falta de ética, da irresponsabilidade, dos extremismos, do amadorismo! Se soubermos realizar essa transmutação quase alquímica, erros como esse dificilmente se repetirão. Caso contrário, queimemos o que resta dos nossos museus, bibliotecas e monumentos históricos, pois já não haverá história que valha a pena ser registrada.